Perdidas nas profundezas da memória do alentejano genuíno estão as palavras de Joaquim Mestre, presentes no “Breviário das Almas”. A solidão humana, os rituais, as crendices e a certeza da efemeridade da vida reflectem-se na simplicidade do seu discurso.
Deliciemo-nos então com as palavras deste escritor:
“Ouço os meus passos e o vento passa por entre as ramagens das amendoeiras, pelos pastos, a arrastar os cardos pelas ruas. O vento, de vez em quando, aquieta-se e é apenas uma aragem quente, seca, dura. Ouço o estalar das madeiras de uma porta ou uma janela a bater. O resto é silêncio e pedras e céu. Um silêncio espesso, pesado, como se fosse possível cortá-lo. As pedras estão por todo o lado: nos caminhos, no cercado, nas casas. O céu está parado e baixo. Nem o vento nem o esvoaçar dos pássaros estremecem o azul. Nem as nuvens se mexem. Tudo quieto como uma fotografia.
Sento-me no poial de uma casa, olho a porta fechada, a madeira puída pelo tempo, as ervas a rebentarem por entre as pedras da soleira da porta. Ervas daninhas, que outras por aqui já não há, e fico a olhar aquele cemitério de pedras, vozes que ressumam das paredes, múrmurios ciciados que apenas existem dentro de mim. Ninguém. Nada. Morreram todos. Só pedras e casas dentro do silêncio. “
In Joaquim Mestre, Breviário das Almas,
Alfragide, Oficina do Livro, 2009, pp. 97-98.
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