terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Chuva




Chuva, caindo tão mansa,
Na paisagem do momento,
Trazes mais esta lembrança
De profundo isolamento.

Chuva, caindo em silêncio
Na tarde, sem claridade...
A meu sonhar d'hoje, vence-o
Uma infinita saudade.

Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh'alma descansa.
— Que perfeita intimidade!...

Francisco Bugalho, in "Paisagem"

sábado, 19 de janeiro de 2013

O remorso de baltazar serapião, de Valter Hugo Mãe


           Nos últimos dias descobri um novo escritor, deliciei-me com uma nova leitura, com a descoberta de um outro estilo de escrita e no quanto a criatividade literária continua viva entre os escreventes da língua portuguesa. Refiro-me ao romance de Valter Hugo Mãe, O remorso de baltazar serapião, romance que valeu ao autor o Prémio José Saramago, em 2006. Não é um livro de leitura fácil, nem tão pouco desatenta, devido a dois fatores essenciais: em primeiro lugar devido ao tema tratado, a condição da mulher, numa perspetiva de exploração e submissão perante uma mentalidade machista dominante; e em segundo lugar, devido à especificidade do discurso, que pela ausência de maiúsculas e pela recriação de uma linguagem medieval, obrigam o leitor a redobrar a sua atenção na apreensão da mensagem.

           Se nos questionarmos acerca da relação que se estabelece entre as personagens e o espaço, constatamos que estamos perante a recriação de um ambiente opressivo que reduz o ser humano à sua condição de animal, sendo este aspeto mais dramático na condição das personagens femininas.
            A ação decorre durante a Idade Média e podemos evidenciar uma estrutura social baseada na relação senhor – vassalo, em que a arbitrariedade do poder de um determina a submissão do outro. A família de Baltazar Serapião, família de camponeses que trabalha nas terras do senhor, é constituída por Afonso, o pai, pela mãe, cujo nome nunca é revelado, e pelos seus irmãos Aldegundes e Brunilde, e mais tarde, por Ermesinda, a esposa de Baltazar. A família tem como animal de estimação uma vaca, a Sarga. A dedicação da família a este animal é tal que a família em vez de ser conhecida pelo seu apelido, Serapião, antes são conhecidos pelos Sargas. A relação entre os membros da família, à semelhança da estrutura social dominante, baseia-se numa relação de domínio – submissão. As mulheres da casa são encaradas como seres inferiores, é-lhes retirada a voz e num mundo ideal a mulher deveria mesmo nascer muda, tal como podemos constatar nos seguintes excertos:
 
 
“uma mulher é ser de pouca fala, como se quer, parideira e calada, explicava o meu pai, ajeitada nos atributos, procriadora, cuidadosa com as crianças e calada para não estragar os filhos com  os seus erros. (…) o mundo que as mulheres imaginavam era torpe e falacioso, viam coisas e convenciam-se de estupidez por opção (…) as mulheres eram perigosas,” (pp.21-22)
 
 
“a voz das mulheres só sabe ignorâncias e erros, cada coisa de que se lembrem nem vale a pena que a digam. mais completas estariam, de verdade, se deus as trouxesse ao mundo mudas. só para entenderem o que fazer na preparação da comida e debaixo de um homem e nada mais.” (p.251)
 
 
         Ao longo do romance são retratadas as aventuras e desventuras de Baltazar Serapião e o seu relacionamento com Ermesinda, sua esposa submissa e a mais bela das raparigas das redondezas. Embora Baltazar se tenha casado com ela por amor, não é possível falar de uma história de amor neste romance, porque esta mulher é vítima de um sentimento de possessividade, de ciúme doentio por parte do protagonista, o que claramente impede que o amor seja vivido na sua plenitude. Baltazar, o narrador desta história, representa o homem que teima em dar continuidade a uma herança cultural, que acredita que uma mulher deve ser “educada” com base no terror e na violência. No caso de Ermesinda, os maus tratos sofridos levam à extinção da sua beleza, à deformação física e, consequentemente, à sua morte. No final do romance, a consciência da nocividade dos seus atos, traduzido no sentimento de remorsos, faz com que a personagem Baltazar admita “a burrice e a ignorância de quem abdicara da sua mulher”. A catársis ou a tomada de consciência revela-se bastante tarde, no entanto, fica a lição para a geração seguinte.
       E se o tema da violência doméstica, da violação dos direitos das mulheres permanece ainda um assunto da atualidade, tal faz-nos pensar que afinal a sociedade não evoluiu assim tanto, já que as grandes questões relacionadas com a dignidade humana continuam por resolver.
 
L.C., janeiro de 2013 

sábado, 5 de janeiro de 2013

E a palavra do ano 2012 é... entroikado.

Depois de Austeridade ter sido considerada a palavra de 2011, permanecia o mistério de qual seria a palavra eleita para 2012. A palavra poderia ter sido "refundação" ( de refundar o memorando); poderia ter sido simplesmente Troika  ou troikano... mas não, a palavra do ano foi ainda mais criativa, em termos linguísticos, e não poderia ser mais verdadeira para caracterizar a nossa condição de povo tramado ou lixado com a Troika... entroikado.

E é assim que, depois das alterações no Acordo Ortográfico, a nossa Língua ganha mais um adjetivo... Razão para dizer: a nossa riqueza afinal está na Língua Portuguesa.


RTP Noticias - Entroikado entrou para o dicionário -
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=616987&tm=4&layout=122&visual=61&source=mail


Um bom 2013 para todos!

L.C.