domingo, 7 de julho de 2013

Toma Conta de Mim, de Pedro Abrunhosa


Mais um tema de Pedro Abrunhosa, um dos meus artistas preferidos. Desta vez, a letra é bastante simples, mas a mensagem é profunda: existe esperança no futuro, para todos nós, enquanto Humanidade.

Sobre a nova canção, Pedro Abrunhosa adianta o seguinte: 'Todos somos sozinhos e, contudo, todos somos multidão. 'Toma Conta de Mim' é uma canção onde tento invocar a capacidade colectiva do afecto, de olharmos o futuro de frente sem deixarmos ninguém para trás, reconhecer a diferença e não sucumbir à indiferença. Ao tomarmos conta dos que amamos, permitimo-nos ser amados. Ao sermos Humanidade, esse é o nosso destino maior.'



L.C., 7 de julho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sobre O Caminho Menos Percorrido e Mais Além, de Scott Peck (V)


V. O paradoxo do bem e do mal


      «Uma vida feita exclusivamente de facilidade e conforto pode não ser tão maravilhosa como julgaríamos à partida. Só através da doença aprendemos a apreciar melhor a saúde. Através da fome aprendemos a dar valor à comida. E conhecer o mal ajuda-nos a apreciar o bem.» (p.261)


VI. Todos diferentes, todos iguais ou o paradoxo dos direitos humanos adquiridos

  «Todos somos iguais aos olhos de Deus. Para lá disso, porém, somos completamente desiguais. Temos diferentes dons e limitações, diferentes genes, diferentes linguagens e culturas, diferentes valores e estilos de pensamento, diferentes percursos pessoais, diferentes níveis de competência, e assim sucessivamente. Na verdade, a Humanidade poderia ser adequadamente designada como a espécie desigual. Aquilo que mais nos distingue de todas as outras criaturas é a nossa extraordinária diversidade e a variabilidade dos nossos comportamentos.
    A missão da sociedade não é a de estabelecer a igualdade. É, sim, a de desenvolver sistemas que lidem de forma humana com a nossa desigualdade – sistemas que, de forma razoável, celebrem e encorajem a diversidade.» (p.267)

L.C., 6 de junho de 2013

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sobre O Caminho Menos Percorrido e Mais Além, de Scott Peck (IV)

IV. Sobre o Amor
«O amor é muitas vezes muito subtil e misterioso. Em The Road Less Traveled [O Caminho Menos Percorrido], defini o amor como a vontade de nos oferecermos pelo objectivo de cuidar do nosso crescimento espiritual, ou do de outra pessoa. Esta definição constitui um reconhecimento de que o amor é muito mais abrangente do que o romance, o casamento, ou a paternidade. (…)
Por exemplo, todos já ouvimos dizer que é melhor dar que receber. Estou convencido de que seria muito mais apropriado dizer que é tão bom dar como receber. (…) A incapacidade de receber amor é quase tão destrutiva como a incapacidade de o dar.
            Foi-nos também ensinado que «o amor é dócil, o amor é atencioso» - e no entanto, há alturas da vida em que temos de exibir aquilo a que se pode chamar amor duro. O amor é frequentemente ambíguo; por vezes requer ternura, enquanto outras vezes tem de ser severo. A realidade é que não podemos amar bem se estivermos constantemente a oferecermos aos outros sem cuidar de nós. A submissão ao amor não significa ser um capacho. Do mesmo modo que ao longo das nossas vidas temos de escolher o que é ou não a nossa responsabilidade, temos igualmente de escolher, ainda que nos tenhamos submetido ao amor, quando amar os outros e quando amarmo-nos a nós mesmos.
            Acredito piamente que a chave do amor está em trabalhar sobre si próprio. Não podemos começar a amar os outros bem até trabalharmos amorosamente sobre nós próprios.» (pp.185-186)

L.C., 6 de junho de 2013

Sobre O Caminho Menos Percorrido e Mais Além, de Scott Peck (III)


III. Sobre a Aventura da Aprendizagem e do Crescimento
 

Aprender é uma aventura

            «Mas aprender é uma aventura. Temos de aprender, até certo ponto, a ganhar-lhe o gosto, pois toda a aventura consiste em entrar pelo desconhecido adentro. Se soubermos sempre de forma exacta aonde vamos, como lá havemos de chegar, e o que veremos ou experimentaremos ao longo do caminho, não se trata de uma aventura. É intrinsecamente humano – e inteligente – ter medo do desconhecido, ficar nem que seja um bocadinho assustado quando se embarca numa nova aventura. Mas é só com as aventuras que aprendemos muita coisa importante, é só nelas que podemos ficar expostos ao novo e ao inesperado.» (p.152)

O conceito de coragem

            «Algo que nunca deixa de me espantar é a forma como relativamente poucas pessoas compreendem o que é a coragem. A maior parte pensa que é a ausência de medo. Ausência de medo não é coragem; ausência de medo é algum tipo de lesão cerebral. A coragem é a capacidade de avançar apesar do medo, ou apesar da dor. Quando o fazemos, descobrimos que ultrapassar o medo não só nos torna mais fortes como é um grande passo em direcção à maturidade.
 
(…) Estou convencido de que aquilo que mais caracteriza as pessoas imaturas é o facto de ficarem sentadas queixando-se de que a vida não corresponde às suas exigências. Pelo contrário, aquilo que caracteriza aqueles felizes poucos que são totalmente maduros é o facto de considerarem sua responsabilidade, e mesmo oportunidade – responder às exigências da vida. Na verdade, quando nos apercebemos de que tudo o que nos acontece foi concebido para nos ensinar aquilo que precisamos de saber na nossa viagem vida fora, começamos a encarar a vida de um ponto de vista completamente diferente.» (p.158)

A dor de viver

            «Como escrevi em The Road Less Traveled [O Caminho Menos Percorrido], a vida é difícil porque consiste numa série de problemas, e o processo de confrontar e resolver problemas é um processo doloroso. Os problemas, dependendo da sua natureza, evocam em nós muitos sentimentos desconfortáveis: frustração, dor, tristeza, solidão, culpa, arrependimento, cólera, medo, ansiedade, angústia ou desespero. Estes sentimentos são muitas vezes tão dolorosos como qualquer tipo de sofrimento físico. Na verdade, é por causa da dor que os eventos ou os conflitos engendram em nós, que lhes chamamos problemas. No entanto, é neste processo de confrontar e resolver problemas que a vida encontra o seu sentido. Os problemas fazem apelo à nossa coragem e à nossa sabedoria; na verdade, criam a nossa coragem e a nossa sabedoria. Os problemas são o fio da navalha que marca a diferença entre sucesso e falhanço. É só devido aos problemas que crescemos mental e espiritualmente.

 
            A alternativa – não confrontar as exigências da vida nos termos da vida – significará que acabaremos a perder, mais frequentemente do que o contrário. A maioria das pessoas tenta iludir os problemas, em vez de encará-los de frente. Tentamos libertar-nos deles, em vez de os enfrentarmos, ainda que com sofrimento. Na verdade, a tendência para evitar problemas e o sofrimento emocional que lhes está associado é a base fundamental de todas as enfermidades psicológicas. E uma vez que a maior parte de nós sofre desta tendência em maior ou menor grau, a maioria de nós não goza de uma saúde mental total. Os mais saudáveis aprendem não a recear, mas na verdade a encarar os problemas com satisfação. Muito embora o triunfo não esteja garantido de cada vez que enfrentamos um problema na vida, os mais sábios têm a noção de que só através da dor que implica confrontar e resolver problemas é que aprendemos e crescemos.» (p.179)
L.C., 5 de junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Sobre O Caminho Menos Percorrido e Mais Além, de Scott Peck (II)


II. Sobre o grau de Consciência e a capacidade de pensar


            «No entanto, um outro fardo doloroso que surge sempre associado a um aumento do grau de consciência e da competência é a solidão de transcender a cultura tradicional. Ao longo dos tempos, só uns quantos entre milhões – um Sócrates, um Jesus – se ergueram acima da rígida cultura e pensamento simplista do seu tempo. (…) Estes indivíduos [e outros que atingiram este patamar de fratura] pensam suficientemente bem para desafiarem o pensamento convencional e irracional. Questionam as lealdades cegas, sejam nacionais ou tribais – e as limitações que lhe são impostas pela sua cultura – com vista a crescerem. Não acreditam já em tudo o que lêem nos jornais. Buscam a verdade e desafiam as ilusões de “normalidade”, tal como são promovidas pela sociedade e os meios de comunicação social. Demonstram a coragem de não se deixarem já ser engolidos pelo pensamento simplista que os rodeia. Redefiniram “família” de modo a incluir não apenas familiares de sangue, mas igualmente os relacionamentos cheios de significado que estabelecem com outras pessoas que partilham interesses e que possuem uma abordagem comum à vida – e orientada no sentido do crescimento.
 

            Ao longo deste processo pelo qual se tornam cada vez mais conscientes, muitos experimentam uma sensação de liberdade e de libertação, ao caminharem no sentido de se tornarem verdadeiros consigo mesmos. A sua tomada de consciência vai-se enraizando no eterno, e a evolução da consciência é a essência mesma do espírito do crescimento espiritual. Mas pagam igualmente um preço, pois a sua viagem pode ser solitária. Os pensadores profundos são frequentemente mal compreendidos pelas massas que continuam a encarar a vida e o mundo de forma simplista.» (pp.104-105)
 
 
 
L.C. 3 de junho 2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sobre O Caminho Menos Percorrido e Mais Além, de Scott Peck (I)


I. Sobre a capacidade de ouvir e compreender o Outro


 
«Uma parte essencial da escuta é a disciplina de saber fazer parêntesis, desistir ou pôr de lado temporariamente os nossos próprios preconceitos, quadros de referência e desejos, por forma a experimentar o mais possível o mundo de outra pessoa a partir do seu interior, colocando-nos no seu lugar. Esta unificação de emissor e receptor é na verdade uma extensão e alargamento de nós próprios, e resulta sempre em novo conhecimento. Além disso, visto que escutar bem implica fazer parêntesis, isso envolve igualmente uma aceitação total, ainda que temporária, da outra pessoa. Se sentir esta aceitação, a pessoa que fala sentir-se-á menos vulnerável e cada vez mais inclinada a abrir os recantos interiores da sua mente ao ouvinte. Quando isto acontece, a pessoa que fala e a que escuta começam a compreender-se cada vez melhor. A verdadeira comunicação entra em jogo e começa a dança do amor a dois. A energia requerida para a disciplina do parêntesis e a concentração total de atenção sobre o outro é tão grande que só pode ser realizada através do amor, que eu defino como a vontade de nos dispormos ao crescimento mútuo.» (pp.64-65)

L.C., maio de 2013

sábado, 2 de março de 2013

8 de março - Dia Internacional da Mulher


 
Neste mês de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Por essa razão, durante este mês vamos recordar as palavras de algumas mulheres. Para começar um dos meus poemas preferidos de Florbela Espanca.

 
Amar
 
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar!  Amar!  E não amar ninguém!
 
Recordar?  Esquecer?  Indiferente!...
Prender ou desprender?  É mal?  É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
 
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
 
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
 
 
                                               Florbela Espanca
 
                                                   L.C., março de 2013

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Predadores: A Angola real e a Angola sonhada

                                           
O romance Predadores constitui uma crítica à ordem social, económica e política de Angola, num período de tempo compreendido entre setembro de 1974 e dezembro de 2004. Historicamente, corresponde ao período de pré- e pós-independência do país, enunciando os conflitos, as guerras e as transformações sociais daí decorrentes.

            O narrador utiliza um discurso realista e, por vezes, irónico. Adopta uma focalização omnisciente que lhe concede o pleno poder de contar a história da forma que bem entende: recorre a avanços e recuos que quebram a linearidade do tempo e obrigam o leitor a reforçar a sua atenção na apreensão da mensagem. Realce-se ainda os apartes e intromissões do narrador, que surgem entre parênteses retos, e que permitem, umas vezes, orientar o leitor na compreensão do enredo e noutras reforçar a sua posição relativamente à sua função de narrador. De entre elas destaco esta, que surge no início da narrativa, e que exorta o leitor para o seu papel de ouvinte:

            “[Qualquer leitor habituado a ler mais que um livro por década pensou neste momento, pronto, lá vamos ter um flash-back para nos explicar de onde vem este Vladimiro Caposso e como chegou até o que é hoje. Desenganem-se, haverá explicações, que remédio, mas não agora, ainda tenho fôlego para mais umas páginas sem voltas atrás na estória, a tentar a História. (…) Mais previno que haverá muitas misturas de tempos, não nos ficaremos por este ano de 1992 em que houve as primeiras eleições, iremos atrás e iremos à frente, mas só quando me apetecer e não quando os leitores supuserem, pois democracias dessas de dar a palavra ao leitor já fizeram muita gente ir para o inferno e muito livro para o cesto do lixo.]” (p.13)

 
            O título do romance, Predadores, remete desde logo para o retrato de um determinado grupo social, mais poderoso, que subjuga os seres mais fracos e indefesos. Deste modo, nesta narrativa surgem personagens que exemplificam os predadores, sendo que o principal é Vladimiro Caposso, que podemos caracterizar como assassino, corrupto, arrogante, controlador, adúltero, incompetente na gestão dos seus negócios e praticante de um capitalismo selvagem.

            Na sua juventude, Vladimiro Caposso tinha trabalhado numa pequena loja, que após a fuga do proprietário para Portugal, com a Independência do país, se torna sua. Nesta altura, o jovem Vladimiro torna-se amigo de Sebastião Lopes e ambos são membros do JMPLA. Vladimro torna-se um elemento-chave do movimento, pela sua capacidade de organizar jogos de futebol. Mais tarde recebe uma proposta de um dirigente para manipular informações sobre um outro membro do partido, em troca de uma posição mais priveligiada. O jovem acede ao pedido, mas o prometido não é cumprido e é assim que Caposso se assume como um empresário, ou seja, um capitalista:

 
            “(…) tinha de aceitar a ideia marxista das diferenças sociais baseadas em funções económicas. (…) Portanto, havia classes e ele não pertencia ao proletariado, nunca pertencera, pois até uma loja tivera. Era um pequeno-burguês e o sonho de um pequeno-burguês é tornar-se um grande burguês, acumular capital, explorar o povo (agora com minúscula) se preciso.” (pp.232-233)

 
            “Que se lixe a política, o partido e o marxismo! Quero é acumular fortuna e todos me respeitarão, pedirão favores, por muito marxistas que sejam.” (p.233)


            A sua posição de capitalista vai crescendo e com ela a sua personalidade desenvolve-se: torna-se corrupto quando usa as influências e a “gasosa” para progredir nos seus negócios, que vão desde a organização de uma pequena empresa de autocarros, à criação da CTC, uma empresa de construções, ao desvio de dinheiro para contas bancárias em paraísos fiscais e ao comércio ilegal de armas e diamantes. O dinheiro torna-se o seu “Deus” e, por isso, não olha a meios para atingir os seus fins, elimina a concorrência, exibe as suas excentricidades, como a casa de campo e o casamento milionário. No que se refere à sua vida pessoal e familiar, embora casado, muitas vezes mantém relações extraconjugais com raparigas jovens e controla os passos dos seus filhos. No entanto, a incapacidade de rentabilizar os seus investimentos e as dívidas acumuladas vão torná-lo mais frágil. Num determinado momento da narrativa e, tal como o narrador indica, por mais que engorde um tubarão existem sempre outros mais gordos ou mais fortes. A concorrência surge com dois investidores estrangeiros: o americano Omar, que o narrador denominou o Cinzento e Karim, o paquistanês.

             Se Vladimiro Caposso representa o capitalismo e consolida o título do romance, em oposição a este surgem duas personagens dignas de referência - Nacib e Sebastião Lopes – que podemos considerar como personagens com uma visão alternativa da emancipação social. Nacib é proveniente de uma família pobre e sem recursos, mas com a sua inteligência e trabalho árduo torna-se engenheiro e exerce dignamente a sua profissão. Por sua vez, Sebastião Lopes, antigo amigo de Caposso, torna-se advogado e  defensor de causas populares, tinha estado preso, mas os seus ideais de justiça e de solidariedade mantiveram-se inalteráveis e, por essa razão ganha o respeito e a gratidão dos mais humildes.

            Vladimiro Caposso tinha comprado uma extensa propriedade e nela construiu uma mansão luxuosa e desviou o curso de um rio milenar para construir um lago e manter pastagens verdejantes para alimentar o seu gado. No entanto, os mecanismos da justiça seguiram os seus trâmites e Caposso é condenado por ter obstruído os caminhos naturais da transumância e ter desviado o curso de água do rio, deixando os agricultores locais desprovidos da sua subsistência. É devido a este acontecimento que as duas personagens da mesma geração, mas com percursos e ideais distintos, se confrontam e o verdadeiro Caposso é revelado:

 
            [SL] “- (…) O senhor, de jovem ingénuo e esperto, embora nada generoso nem desinteressado, passou a ser um sobeta intratável, arrogante, montado num tesouro que muito dificilmente poderá provar ser de proveniência honesta. Eu continuo com as minhas ideias, junto do povo de que os dois saímos. É tão simples de entender…

            [VC] – Continuas então o mesmo comunista.

            [SL] – Nunca fui, não sabia muito bem o que isso era no fundo. Julgava ser e julgava saber. Aliás, proclamava isso aos quatro ventos. Só mais tarde descobri, aquele comunismo que eu seguia, aquelas ideias generosas de todos iguais e ninguém acima do outro, não existia em nenhuma parte do mundo, era tudo uma tremenda mentira. No entanto, as generosas ideias de solidariedade para com os outros, não pretender explorar ninguém, lutar para que todos os angolanos tenham oportunidades semelhantes na vida independentemente do que foram os pais, essas ideias ainda são as minhas. Se isso é comunismo, tudo bem, assumo. Mas pode ter a certeza, não é aquele que alguns pretenderam impor aos seus povos pela força. Por isso não me ofende tratando-me por comunista.” (pp.338-339)”.

 
            Do exposto, podemos concluir que através do antagonismo que se estabelece entre estas duas personagens estamos perante a discrepância de uma Angola sonhada e de uma Angola real. Apesar de neste romance surgir uma visão pessimista da sociedade angolana, o final adivinha uma luz ao fundo do túnel. A denúncia social pode surtir algum efeito, como foi o caso de Caposso.  Não podemos esquecer que, no final, Nacib encontrou a sua realização profissional e num gesto de amizade e de solidariedade oferece um cheque ao amigo Kasseke para este cuidar da sua saúde, é noite de Natal e não há guerra:
 
            “Era noite de Natal, terceira noite de Natal em paz. Não havia sons de tiros nem balas tracejantes riscando o céu, não havia conversas sobre guerra.
            Nunca mais?” (pp.380)

            Apesar da interrogação final suscitar algumas dúvidas, o final continua em aberto.

L.C., fevereiro de 2013

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A pele que há em mim


Enquanto preparo o novo post sobre o romance Predadores, de Pepetela, aqui fica uma música calma, reconfortante e com sabor a poesia.

A pele que há em mim, Márcia e JP Simões.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Amor está no Ar...

Aproxima-se o Dia dos Namorados e somos inundados por anúncios que apelam ao consumismo: relógios, perfumes, chocolates... No entanto, o Amor deve ser comemorado e alimentado todos os dias, porque é algo que se constrói.

  • Amar implica lidar com o Lado Lunar de cada um de nós.




  • O Amor e as suas contrariedades
        No intemporal soneto de Camões e na voz dos Pólo Norte

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;


É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões




L.C. fevereiro de 2013

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Poema - Porque


Porque embora não goste do Carnaval, pelo menos trago um poema que fala de máscaras (metaforicamente falando, é claro!)

 
Porque
 
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
 
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
 
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
 
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
 
                  Sophia de Mello Breyner Andresen
 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Chuva




Chuva, caindo tão mansa,
Na paisagem do momento,
Trazes mais esta lembrança
De profundo isolamento.

Chuva, caindo em silêncio
Na tarde, sem claridade...
A meu sonhar d'hoje, vence-o
Uma infinita saudade.

Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh'alma descansa.
— Que perfeita intimidade!...

Francisco Bugalho, in "Paisagem"

sábado, 19 de janeiro de 2013

O remorso de baltazar serapião, de Valter Hugo Mãe


           Nos últimos dias descobri um novo escritor, deliciei-me com uma nova leitura, com a descoberta de um outro estilo de escrita e no quanto a criatividade literária continua viva entre os escreventes da língua portuguesa. Refiro-me ao romance de Valter Hugo Mãe, O remorso de baltazar serapião, romance que valeu ao autor o Prémio José Saramago, em 2006. Não é um livro de leitura fácil, nem tão pouco desatenta, devido a dois fatores essenciais: em primeiro lugar devido ao tema tratado, a condição da mulher, numa perspetiva de exploração e submissão perante uma mentalidade machista dominante; e em segundo lugar, devido à especificidade do discurso, que pela ausência de maiúsculas e pela recriação de uma linguagem medieval, obrigam o leitor a redobrar a sua atenção na apreensão da mensagem.

           Se nos questionarmos acerca da relação que se estabelece entre as personagens e o espaço, constatamos que estamos perante a recriação de um ambiente opressivo que reduz o ser humano à sua condição de animal, sendo este aspeto mais dramático na condição das personagens femininas.
            A ação decorre durante a Idade Média e podemos evidenciar uma estrutura social baseada na relação senhor – vassalo, em que a arbitrariedade do poder de um determina a submissão do outro. A família de Baltazar Serapião, família de camponeses que trabalha nas terras do senhor, é constituída por Afonso, o pai, pela mãe, cujo nome nunca é revelado, e pelos seus irmãos Aldegundes e Brunilde, e mais tarde, por Ermesinda, a esposa de Baltazar. A família tem como animal de estimação uma vaca, a Sarga. A dedicação da família a este animal é tal que a família em vez de ser conhecida pelo seu apelido, Serapião, antes são conhecidos pelos Sargas. A relação entre os membros da família, à semelhança da estrutura social dominante, baseia-se numa relação de domínio – submissão. As mulheres da casa são encaradas como seres inferiores, é-lhes retirada a voz e num mundo ideal a mulher deveria mesmo nascer muda, tal como podemos constatar nos seguintes excertos:
 
 
“uma mulher é ser de pouca fala, como se quer, parideira e calada, explicava o meu pai, ajeitada nos atributos, procriadora, cuidadosa com as crianças e calada para não estragar os filhos com  os seus erros. (…) o mundo que as mulheres imaginavam era torpe e falacioso, viam coisas e convenciam-se de estupidez por opção (…) as mulheres eram perigosas,” (pp.21-22)
 
 
“a voz das mulheres só sabe ignorâncias e erros, cada coisa de que se lembrem nem vale a pena que a digam. mais completas estariam, de verdade, se deus as trouxesse ao mundo mudas. só para entenderem o que fazer na preparação da comida e debaixo de um homem e nada mais.” (p.251)
 
 
         Ao longo do romance são retratadas as aventuras e desventuras de Baltazar Serapião e o seu relacionamento com Ermesinda, sua esposa submissa e a mais bela das raparigas das redondezas. Embora Baltazar se tenha casado com ela por amor, não é possível falar de uma história de amor neste romance, porque esta mulher é vítima de um sentimento de possessividade, de ciúme doentio por parte do protagonista, o que claramente impede que o amor seja vivido na sua plenitude. Baltazar, o narrador desta história, representa o homem que teima em dar continuidade a uma herança cultural, que acredita que uma mulher deve ser “educada” com base no terror e na violência. No caso de Ermesinda, os maus tratos sofridos levam à extinção da sua beleza, à deformação física e, consequentemente, à sua morte. No final do romance, a consciência da nocividade dos seus atos, traduzido no sentimento de remorsos, faz com que a personagem Baltazar admita “a burrice e a ignorância de quem abdicara da sua mulher”. A catársis ou a tomada de consciência revela-se bastante tarde, no entanto, fica a lição para a geração seguinte.
       E se o tema da violência doméstica, da violação dos direitos das mulheres permanece ainda um assunto da atualidade, tal faz-nos pensar que afinal a sociedade não evoluiu assim tanto, já que as grandes questões relacionadas com a dignidade humana continuam por resolver.
 
L.C., janeiro de 2013 

sábado, 5 de janeiro de 2013

E a palavra do ano 2012 é... entroikado.

Depois de Austeridade ter sido considerada a palavra de 2011, permanecia o mistério de qual seria a palavra eleita para 2012. A palavra poderia ter sido "refundação" ( de refundar o memorando); poderia ter sido simplesmente Troika  ou troikano... mas não, a palavra do ano foi ainda mais criativa, em termos linguísticos, e não poderia ser mais verdadeira para caracterizar a nossa condição de povo tramado ou lixado com a Troika... entroikado.

E é assim que, depois das alterações no Acordo Ortográfico, a nossa Língua ganha mais um adjetivo... Razão para dizer: a nossa riqueza afinal está na Língua Portuguesa.


RTP Noticias - Entroikado entrou para o dicionário -
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=616987&tm=4&layout=122&visual=61&source=mail


Um bom 2013 para todos!

L.C.