segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Predadores: A Angola real e a Angola sonhada

                                           
O romance Predadores constitui uma crítica à ordem social, económica e política de Angola, num período de tempo compreendido entre setembro de 1974 e dezembro de 2004. Historicamente, corresponde ao período de pré- e pós-independência do país, enunciando os conflitos, as guerras e as transformações sociais daí decorrentes.

            O narrador utiliza um discurso realista e, por vezes, irónico. Adopta uma focalização omnisciente que lhe concede o pleno poder de contar a história da forma que bem entende: recorre a avanços e recuos que quebram a linearidade do tempo e obrigam o leitor a reforçar a sua atenção na apreensão da mensagem. Realce-se ainda os apartes e intromissões do narrador, que surgem entre parênteses retos, e que permitem, umas vezes, orientar o leitor na compreensão do enredo e noutras reforçar a sua posição relativamente à sua função de narrador. De entre elas destaco esta, que surge no início da narrativa, e que exorta o leitor para o seu papel de ouvinte:

            “[Qualquer leitor habituado a ler mais que um livro por década pensou neste momento, pronto, lá vamos ter um flash-back para nos explicar de onde vem este Vladimiro Caposso e como chegou até o que é hoje. Desenganem-se, haverá explicações, que remédio, mas não agora, ainda tenho fôlego para mais umas páginas sem voltas atrás na estória, a tentar a História. (…) Mais previno que haverá muitas misturas de tempos, não nos ficaremos por este ano de 1992 em que houve as primeiras eleições, iremos atrás e iremos à frente, mas só quando me apetecer e não quando os leitores supuserem, pois democracias dessas de dar a palavra ao leitor já fizeram muita gente ir para o inferno e muito livro para o cesto do lixo.]” (p.13)

 
            O título do romance, Predadores, remete desde logo para o retrato de um determinado grupo social, mais poderoso, que subjuga os seres mais fracos e indefesos. Deste modo, nesta narrativa surgem personagens que exemplificam os predadores, sendo que o principal é Vladimiro Caposso, que podemos caracterizar como assassino, corrupto, arrogante, controlador, adúltero, incompetente na gestão dos seus negócios e praticante de um capitalismo selvagem.

            Na sua juventude, Vladimiro Caposso tinha trabalhado numa pequena loja, que após a fuga do proprietário para Portugal, com a Independência do país, se torna sua. Nesta altura, o jovem Vladimiro torna-se amigo de Sebastião Lopes e ambos são membros do JMPLA. Vladimro torna-se um elemento-chave do movimento, pela sua capacidade de organizar jogos de futebol. Mais tarde recebe uma proposta de um dirigente para manipular informações sobre um outro membro do partido, em troca de uma posição mais priveligiada. O jovem acede ao pedido, mas o prometido não é cumprido e é assim que Caposso se assume como um empresário, ou seja, um capitalista:

 
            “(…) tinha de aceitar a ideia marxista das diferenças sociais baseadas em funções económicas. (…) Portanto, havia classes e ele não pertencia ao proletariado, nunca pertencera, pois até uma loja tivera. Era um pequeno-burguês e o sonho de um pequeno-burguês é tornar-se um grande burguês, acumular capital, explorar o povo (agora com minúscula) se preciso.” (pp.232-233)

 
            “Que se lixe a política, o partido e o marxismo! Quero é acumular fortuna e todos me respeitarão, pedirão favores, por muito marxistas que sejam.” (p.233)


            A sua posição de capitalista vai crescendo e com ela a sua personalidade desenvolve-se: torna-se corrupto quando usa as influências e a “gasosa” para progredir nos seus negócios, que vão desde a organização de uma pequena empresa de autocarros, à criação da CTC, uma empresa de construções, ao desvio de dinheiro para contas bancárias em paraísos fiscais e ao comércio ilegal de armas e diamantes. O dinheiro torna-se o seu “Deus” e, por isso, não olha a meios para atingir os seus fins, elimina a concorrência, exibe as suas excentricidades, como a casa de campo e o casamento milionário. No que se refere à sua vida pessoal e familiar, embora casado, muitas vezes mantém relações extraconjugais com raparigas jovens e controla os passos dos seus filhos. No entanto, a incapacidade de rentabilizar os seus investimentos e as dívidas acumuladas vão torná-lo mais frágil. Num determinado momento da narrativa e, tal como o narrador indica, por mais que engorde um tubarão existem sempre outros mais gordos ou mais fortes. A concorrência surge com dois investidores estrangeiros: o americano Omar, que o narrador denominou o Cinzento e Karim, o paquistanês.

             Se Vladimiro Caposso representa o capitalismo e consolida o título do romance, em oposição a este surgem duas personagens dignas de referência - Nacib e Sebastião Lopes – que podemos considerar como personagens com uma visão alternativa da emancipação social. Nacib é proveniente de uma família pobre e sem recursos, mas com a sua inteligência e trabalho árduo torna-se engenheiro e exerce dignamente a sua profissão. Por sua vez, Sebastião Lopes, antigo amigo de Caposso, torna-se advogado e  defensor de causas populares, tinha estado preso, mas os seus ideais de justiça e de solidariedade mantiveram-se inalteráveis e, por essa razão ganha o respeito e a gratidão dos mais humildes.

            Vladimiro Caposso tinha comprado uma extensa propriedade e nela construiu uma mansão luxuosa e desviou o curso de um rio milenar para construir um lago e manter pastagens verdejantes para alimentar o seu gado. No entanto, os mecanismos da justiça seguiram os seus trâmites e Caposso é condenado por ter obstruído os caminhos naturais da transumância e ter desviado o curso de água do rio, deixando os agricultores locais desprovidos da sua subsistência. É devido a este acontecimento que as duas personagens da mesma geração, mas com percursos e ideais distintos, se confrontam e o verdadeiro Caposso é revelado:

 
            [SL] “- (…) O senhor, de jovem ingénuo e esperto, embora nada generoso nem desinteressado, passou a ser um sobeta intratável, arrogante, montado num tesouro que muito dificilmente poderá provar ser de proveniência honesta. Eu continuo com as minhas ideias, junto do povo de que os dois saímos. É tão simples de entender…

            [VC] – Continuas então o mesmo comunista.

            [SL] – Nunca fui, não sabia muito bem o que isso era no fundo. Julgava ser e julgava saber. Aliás, proclamava isso aos quatro ventos. Só mais tarde descobri, aquele comunismo que eu seguia, aquelas ideias generosas de todos iguais e ninguém acima do outro, não existia em nenhuma parte do mundo, era tudo uma tremenda mentira. No entanto, as generosas ideias de solidariedade para com os outros, não pretender explorar ninguém, lutar para que todos os angolanos tenham oportunidades semelhantes na vida independentemente do que foram os pais, essas ideias ainda são as minhas. Se isso é comunismo, tudo bem, assumo. Mas pode ter a certeza, não é aquele que alguns pretenderam impor aos seus povos pela força. Por isso não me ofende tratando-me por comunista.” (pp.338-339)”.

 
            Do exposto, podemos concluir que através do antagonismo que se estabelece entre estas duas personagens estamos perante a discrepância de uma Angola sonhada e de uma Angola real. Apesar de neste romance surgir uma visão pessimista da sociedade angolana, o final adivinha uma luz ao fundo do túnel. A denúncia social pode surtir algum efeito, como foi o caso de Caposso.  Não podemos esquecer que, no final, Nacib encontrou a sua realização profissional e num gesto de amizade e de solidariedade oferece um cheque ao amigo Kasseke para este cuidar da sua saúde, é noite de Natal e não há guerra:
 
            “Era noite de Natal, terceira noite de Natal em paz. Não havia sons de tiros nem balas tracejantes riscando o céu, não havia conversas sobre guerra.
            Nunca mais?” (pp.380)

            Apesar da interrogação final suscitar algumas dúvidas, o final continua em aberto.

L.C., fevereiro de 2013

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A pele que há em mim


Enquanto preparo o novo post sobre o romance Predadores, de Pepetela, aqui fica uma música calma, reconfortante e com sabor a poesia.

A pele que há em mim, Márcia e JP Simões.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Amor está no Ar...

Aproxima-se o Dia dos Namorados e somos inundados por anúncios que apelam ao consumismo: relógios, perfumes, chocolates... No entanto, o Amor deve ser comemorado e alimentado todos os dias, porque é algo que se constrói.

  • Amar implica lidar com o Lado Lunar de cada um de nós.




  • O Amor e as suas contrariedades
        No intemporal soneto de Camões e na voz dos Pólo Norte

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;


É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões




L.C. fevereiro de 2013

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Poema - Porque


Porque embora não goste do Carnaval, pelo menos trago um poema que fala de máscaras (metaforicamente falando, é claro!)

 
Porque
 
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
 
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
 
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
 
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
 
                  Sophia de Mello Breyner Andresen